Postagens

Mostrando postagens de junho, 2020

Sadomasoquismo

Dobrou os joelhos, caiu em oração. Os dedos do pé se amassaram com o peso dos calcanhares, sufocados. As palmas cruas apontaram aos céus, clamando pelo açoite, e a expressão desceu para baixo da linha dos ombros, lamentosa. Cabelos longos borravam seu rosto, e tampavam a total miragem do peito as coxas. Em um golpe limpo, atingi a nudez de sua mão com a chibata. A reação fora de um gemido prolongado. Um suspiro quase de alívio, atrevido. Era nítido meu semblante estarrecido. ''Como pode alguém rebaixar-se a tão pouco?'', indaguei-me, no silêncio. ''Comparar-se a migalhas? Gozar da própria miséria?''. Concluí então, que o que me tampava a essência do ato banal, era que a dor esvaía-se da carcaça com a tortura física. Na realidade, sequer era digno do nome de ato sádico. Havia um contrato silencioso entre as duas partes. Qualquer sicário, por mais tortuoso que fosse, jamais concluiria a misteriosa tarefa de levar aquela pobre criatura ao estado de ag

Aluguel

por trás desse muco debaixo da ossada e do músculo entre as artérias menor que a veia cava e os fios de cabelo cá estou eu vendo tudo mexer ouvindo as polias rodando o encontro das cartilagens rangendo o arrepio e as dores fantasmas o toque que marca e o que mal trata a pele sensível ao tato latejante o beijo mais em baixo a trinca do fêmur e do peito moro aqui de inquilino e pretendo ficar até quando der

Traduzindo o onírico

Passeei pela avenida, com os pés descalços. Estava vazia, como em nenhuma outra segunda.               O céu tinha cara de domingo, como a rua                                              mas um domingo de março,                                                             com seus rios voadores.              não era março, nem domingo, mas tinha essa cara simpática a chuva varria a sujeira, as inibições e as angústias para as bocas de lobo. um toró revigorante surrava as palmeiras, e as minhas costas. também surrava as memórias. E os rios. também os sem-teto. E os cães de rua. as latas não sentem, os vira-latas sentem até demais. Não tenho pedigree, meu cabelo é castanho escuro, meu cílio é loiro, e por esses dias, achei um pelo ruivo no meio da barba. Já me chamaram de cachorro. Acho que sou vira-lata. Vivo solto. Passeio pela avenida, com as patas rachadas A chuva me faz chorar.