Dobrou os joelhos, caiu em oração. Os dedos do pé se amassaram com o peso dos calcanhares, sufocados. As palmas cruas apontaram aos céus, clamando pelo açoite, e a expressão desceu para baixo da linha dos ombros, lamentosa. Cabelos longos borravam seu rosto, e tampavam a total miragem do peito as coxas. Em um golpe limpo, atingi a nudez de sua mão com a chibata. A reação fora de um gemido prolongado. Um suspiro quase de alívio, atrevido. Era nítido meu semblante estarrecido. ''Como pode alguém rebaixar-se a tão pouco?'', indaguei-me, no silêncio. ''Comparar-se a migalhas? Gozar da própria miséria?''. Concluí então, que o que me tampava a essência do ato banal, era que a dor esvaía-se da carcaça com a tortura física. Na realidade, sequer era digno do nome de ato sádico. Havia um contrato silencioso entre as duas partes. Qualquer sicário, por mais tortuoso que fosse, jamais concluiria a misteriosa tarefa de levar aquela pobre criatura ao estado de ag
Todo novo banho, cresce a certeza de que há um poltergeist no meu lavatório. Já até me acostumei com a ideia de estar sendo perseguido por algum morto voyeur . Algumas coincidências foram fáceis de arranjar explicação, e não me incomodavam. Achei até gozado as trocas de escova. As roupas fora do lugar. Os estalos no meio da madrugada. E, leia bem, não existe pessoa mais cética do que eu. Agora, até que ponto é fantasia quando a luz começa a falhar logo durante a tirada do xampu? Um breu de repente, enquanto estou de pé, diante do vaso, com as calças arriadas? Ou, na pior das ocasiões, a escuridão cai bem quando estou usando o trono sagrado, na hora da queda do marrom? É de cortar a bosta ao meio. Comecei a enxergar essa patifaria como um ataque pessoal. Talvez a assombração não pensasse maldades até, em um ato banal, eu errar o vaso, e mijar no pé dela. Por que não? Em minha defesa, não há um fuzileiro que não tenha errado um tiro. E pela manhã, ao acordar, é mais difícil. Nem pre
Morar em capital está fora de cogitação. Sei por que já visitei algumas. Não é repúdio, nem inveja. Também não é falta de ambição. Algo que definitivamente me incomoda são os prédios. Verticalmente majestosos, rasgando o seu espaço na malha urbana, com terraços que furam as nuvens. É inevitável imaginá-los caindo sobre a minha cabeça, tombando com todas as suas toneladas cinzentas, esmagando o pouco que sou. Seria como uma torre negra comer um mero peão branco, no xadrez de concreto. O pensamento é até improvável, mas incomoda o suficiente para instigar uma constante sensação de fraqueza diante do imenso. Não raramente, ela se agrava, e toma a forma do que só cabe na definição de um excêntrico medo de altura. Um temor, não de estar sobre, mas sob, algo com inúmeros pés de tamanho. É um estado ironicamente sufocante. Outra coisa enorme são as ruas. Grandes rios secos, recheados de canoas motorizadas. Mas, do que adianta a extensão, se há tantos pescadores? É mais fácil ser fisgado ao
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