No centro, não

 Morar em capital está fora de cogitação. Sei por que já visitei algumas. Não é repúdio, nem inveja. Também não é falta de ambição. Algo que definitivamente me incomoda são os prédios. Verticalmente majestosos, rasgando o seu espaço na malha urbana, com terraços que furam as nuvens. É inevitável imaginá-los caindo sobre a minha cabeça, tombando com todas as suas toneladas cinzentas, esmagando o pouco que sou. Seria como uma torre negra comer um mero peão branco, no xadrez de concreto. O pensamento é até improvável, mas incomoda o suficiente para instigar uma constante sensação de fraqueza diante do imenso. Não raramente, ela se agrava, e toma a forma do que só cabe na definição de um excêntrico medo de altura. Um temor, não de estar sobre, mas sob, algo com inúmeros pés de tamanho. É um estado ironicamente sufocante.
 Outra coisa enorme são as ruas. Grandes rios secos, recheados de canoas motorizadas. Mas, do que adianta a extensão, se há tantos pescadores? É mais fácil ser fisgado ao trânsito das metrópoles. Aos engarrafamentos, aos incontáveis faróis, aos assaltos. E, sendo apenas mais um peixe no meio do cardume, cresce a certeza da impotência. Melhor ficar jogado pelas calçadas, chutando alguma sujeira por aí. Quem sou eu, no meio de toda essa gente? Sou só mais um grafite no muro, a janela acesa de um apartamento, uma ocasional buzina na madrugada. O ego some e dá o seu lugar à uma identidade coletiva, inorgânica. O indivíduo lentamente se transforma em estatística, entre tantas histórias parecidas. Não quero isso pra mim!
 Um tempo atrás, enquanto decolava de Cuiabá a São Paulo, me peguei mais uma vez fascinado pela vista da janela. Me senti poderoso, divino. Tudo estava tão pequeno lá embaixo, eu poderia facilmente quebrar uma avenida com os pés! Aqueles edifícios, que antes me cercavam como grandes monstros de pedra, pareciam pequenos brinquedos. Sentia-me mais próximo do sol, que da terra. Claro que, como de costume, as turbulências fraquejaram esse meu orgulho. Não havia água que apagasse o pavor da queda. Recorri aos meus amados ansiolíticos, e o resto do voo, o sono apagou da memória. Felizmente, os instantes que me acolheram foram suficientes para gerar uma ideia reconfortante: ao menos, não tinha os pés grudados ao chão, e ao contrário das grandes estruturas, podia fugir dali.

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